Dom Quixote
Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger / Paulo Galvão
Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos mas sempre no horário
Peixe fora d'água, borboletas no aquário
Muito prazer, meu nome é otário
Na ponta dos cascos e fora do páreo
Puro sangue, puxando carroça
Um prazer cada vez mais raro
Aerodinâmica num tanque de guerra,
Vaidades que a terra um dia há de comer.
"Ás" de Espadas fora do baralho
Grandes negócios, pequeno empresário.
Muito prazer me chamam de otário
Por amor às causas perdidas.
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas.
Questões:
- O eu-lírico da canção se intitula "otário". Que relação pode-se estabelecer entre esse adjetivo e ao Dom Quixote da obra?
- Dom Quixote era um sonhador. Relacione essa característica da personagem ao verso "Peixe fora d'água, borboletas no aquário".
- Escreva o verso da canção que apresenta uma cena da obra lida. Que sentido tem esse verso depois da frase "Tudo bem, até pode ser"?
- O eu-lírico da canção sente-se "deslocado" do mundo em que vive. Como sentia-se Dom Quixote?
- Você concorda que Dom Quixote também tinha amor "às causas perdidas"?
- Analise sintaticamente e morfologicamente o texto musical.
Leia o livro AQUI.
Por que ler Dom Quixote?
- Algum significado para Dom Quixote?
Num
primeiro momento, falamos de Cervantes, criador de Dom Quixote e
Sancho Pança. . Se for
possível, vamos tentar agora uma interpretação do "engenhoso Fidalgo,
Dom Quixote de la Mancha" .
Observação
preliminar: "Dom Quixote" pode ser lido singelamente como se lê uma
estória. Talvez tenha sido assim que ele foi escrito: com a quase
ingênua jubilação de quem vai contando uma aventura, sem muita certeza
do que irá acontecer depois, deixando-se levar pelo improviso.
Cervantes teve real dificuldade de explicar por que tinha escrito
aquele livro, apesar de ele dizer isto num Prólogo cheio de intestinas
malícias. Teria ele, de fato, escrito o "Dom Quixote" para combater a
literatura cavalheiresca, como ficou dito no fim do livro pelo velho
fidalgo moribundo, retornando à razão e a um simples Alonso Quijano, o
Bom? Os melhores comentadores não crêem que isto deva ser levado a
sério, visto que, naquela época, os romances de cavalaria já estavam
completamente sem leitores... Talvez por isso, escreveu Lis Astrana
Martin (importantíssimo biógrafo de Cervantes) que "o Quixote é, sem
duvida, um livro de entretenimento e sem simbolismos, mas livro que se
tornou simbólico, livro de dor". (Citado em Vianna MOOG. Heróis da Decadência,
Rio, 1964, p. 103.) Por outro lado, já dizia Goethe a respeito do seu
"Fausto": "Perguntam-me que idéia eu procurei encarnar no meu Fausto.
Como se eu soubesse... Como se eu mesmo o pudesse dizer... " (Conversas com Eckermann,
dia 6/5/1827.) E ele pedia que não se quisesse sempre descobrir uma
idéia sublime, abstrata, simbólica, por detrás de toda história, só
porque essa história se tornou um grande livro da literatura mundial.
Essa idéia pode até existir, mas a gente não é sempre obrigado a ficar
procurando por ela.
Cervantes
pode não ter sido um gênio todos os dias de sua vida, o que, ao
contrário, parece ter acontecido com Platão, Shakespeare ou Goethe.
Talvez tenha razão Unamuno quando afirma que Cervantes foi um "gênio
temporário", nos momentos em que se deixava "tomar" pela alma de sua
gente. "Depois do Quixote e antes do Quixote, nada de genial" - pensa
Don Miguel de Unamuno. E mesmo durante a criação do Quixote, sua
genialidade era intermitente. Quando narrava, quando deixava o espírito
do povo falar, gênio. Se se punha a fazer crítica literária ou
filosofia por conta própria - manifestava uma verdadeira "opilação
intelectual". (Cf. UNAMUNO. Ensayos - V, p. 223.) Mas houve
Dom Quixote. Dom Quixote não é apenas a personagem "Quixote". É, pelo
menos, Sancho Pança também. Os dois expressam as duas faces da Espanha.
Mais até: as duas faces do homem. Todos nós, de uma forma ou de outra,
somos um pouco Quixotes e Panças. Fernando Collor ou Irmã Dulce.
Gorbatchev ou Karol Wojtyla. Esses são quixotes e sanchos públicos.
Mas, na vida privada ou municipal, você vai encontrá-los a todo momento,
no jovem que acaba de casar e acredita em moinhos de vento e
dulcinéias, mas se sente arrastado ao terra-a-terra pela resistente
realidade, ou na moça que entra para o convento e se entrega inteira ao
Cristo, aos pobres, ao Amor, ..
Não
interessa muito o que o autor tenha pensado de sua obra. O mais
provável é que Cervantes, como em geral os grandes autores, não tenha
percebido, com clareza, toda a importância de seu livro. O próprio
Goethe observa que é preciso ensinar ao criador o sentido daquilo que
ele criou... (Cf. Fitzmaurice, cit. em Vianna Moog, o.c., p. 102.) Uma
obra, uma vez escrita, começa a ter vida própria, independente de seu
autor. Sobretudo quando se trata de uma obra-prima como "Dom Quixote". O
que Cervantes queria ou não queria ao escrevê-la, é apenas, se se
puder conseguir uma resposta, uma questão histórica, passada. O que
vale "Dom Quixote", isto ele continuará valendo mesmo que não se lhe
conhecesse o autor.